O 777-200 da TAG repleto de passageiros lançava os primeiros gritos saídos dos seus potentes e diga-se de verdade, ruidoso motores!
Quantos motores?
Raio de pergunta! Sei lá quantos motores! Acham que não tinha mais nada em que pensar sem ser, quantos motores esse avião tinha? Faz favor de ler até ao fim, sem interromper e guarde as perguntas para depois!
Voltando às minhas divagações iniciais, depois de me sentar no meu curto, apertado, e incómodo lugar, o lugar do meio numa fila de 3 (Invejo o caramelo que vem sentado no lado da janela!), começo a reparar nos pormenores dos passageiros que ocupam os lugares circundantes. A maior parte deles, músculos tensos, pequenas gotículas de suor, olhares fixos no tecto (como estavam quase todos a olhar para o tecto, ainda procurei alguma coisa interessante, mas nada! A mesma cor, o mesmo feitio, tudo igual! Deve ser moda!) – que raio de sítio, o tecto! – Mãos semi-serradas, sinal de evidente nervosismo, e um sem número de outros pequenos, mas deliciosos pormenores.
Sem me enganar muito, posso assegurar que, enquanto o meu vizinho do lado direito (Podia ter emagrecido uns Kilitos em nome da boa vizinhança!) fazia contas e mais contas, esquemas e mais esquemas, numa data de folhas de papel, espalhadas em cima dos joelhos (Não, o Senhor não é nada desarrumado, eu é que quando cheguei ao meu lugar, estavam em cima do banco, razão pela qual, numa apressada arrumação, os colocou tão à balda!), a vizinha da minha esquerda, reclinou a cabeça e balbuciava timidamente uma lengalenga imperceptível, mas que eu quero acreditar ser uma reza! Nos bancos da frente, uma jovem de figuras roliças e que dever ter sido taxada com peso a mais (e não era da bagagem…!) já se tinha estirado ao comprido (Sim, leram bem estirado, deitado, posição horizontal) em dois lugares, enquanto que um senhor de ar importante, sem mexer um músculo, ia deitando olhares de quem quer, pode e manda, às pessoas que passavam no corredor. Atrás de mim, duas pessoas absolutamente normais (Fico furibundo quando tenho que classificar mentalmente as pessoas como normais, pois todos temos características que eu adoro descobrir ao olhar para as pessoas), com gestos e atitudes normais para uma altura destas, cabeça inclinada para trás, olhos fechados e auscultadores nos ouvidos; ao lado deles, junto ao corredor, uma senhora, ainda jovem, tenta arrumar a bagagem de mão, nos hiper, super, atulhadíssimos compartimentos destinados a esse fim, sem o conseguir! É claro que, na sua face, não eram pequenas gotículas de suor que escorriam, como nos outros passageiros!
Uma senhora, ainda jovem, tenta arrumar a bagagem de mão, nos hiper, super, atulhadíssimos compartimentos destinados a esse fim, sem o conseguir! É claro que, na sua face, não eram pequenas gotículas de suor que escorriam, como nos outros passageiros!
Eu sei que, à boa maneira Portuguesa, me deveria ter levantado para a ir ajudar, mas que querem, vontade não me faltou, mas sair do meu lugar, onde estava entalado, ia ser uma tarefa mais dura e árdua que a que a passageira estava a executar na vã e inglória tarefa de confinar um embrulho enorme, num espaço bem mais pequeno e que ressaltava à vista dos comuns dos mortais (nem todos pelos vistos, pois ela teimava em não desistir!) que as leis da física possuem razão de ser, e os corpos ou se adaptam aos espaços onde são inseridos, ou são os espaços que se adaptam aos corpos! Como a segunda hipótese estava fora de questão, pois não estou a ver a TAG a autorizar, e a primeira, alterar o embrulho não fazia parte dos projectos da senhora, estavam criadas as condições para um desafio titânico!
A hora da partida aproximava-se, as pessoas continuavam a entrar, e eu sentia aproximar-se o momento físico de cortar o cordão umbilical que me liga a terras Lusas.
O meu pensamento voou por instantes para as Pessoas que deixava fisicamente, mas que me acompanham sempre no coração! Dei comigo, de olhos humedecidos a visualizar as figuras dos meus Filhotes, dos Familiares, dos Amigos, antigos e recentes, de lugares mágicos espalhados pelo nosso país, de Pessoas Especiais que encontrei e conheci ao longo da vida.
A Senhora ao meu lado continuava a rezar, mas tinha aumentado o ritmo da lengalenga!
Quando se aproximou a hora da partida, 10H00, eu já estava a ficar meio confuso, nem um atraso, nem uma peripécia digna de registo, nada a não ser a azafama dos passageiros em conseguir a melhor posição para o braço, para os seus pertences, quando, pela aparelhagem sonora, o Comandante desfez a dúvida: um atraso por motivos técnicos (Vim a saber depois que, por força de terem aparecido cerca de 80 novos passageiros naquele dia, o que implica um aumento de carga e consequente perda de velocidade, tiveram que fazer um reforço no reabastecimento de combustível).
Às 10H44, com um atraso de cerca de 40 minutos, aquele “bicho” tirou as rodas do chão, depois de gemer forte e feio durante a corrida para a descolagem, e rumou a Luanda.
É estranho e eu já deveria estar mais que habituado a isso, mas sempre que passo pelo momento mágico em que o trem do avião deixa de ter a aderência da pista, invade-me aquela sensação de frenesim, de liberdade acorrentada, de que deixo algo para trás olhando para a frente.
Depois dos tradicionais procedimentos de saída, tomamos a direcção do Sul! Angola aí vou eu!
Um dos momentos mágicos que sempre mexeu comigo, quer nos anos em que voei como tripulante na Força Aérea Portuguesa (quantas saudades do Aviocar!), quer nas viagens como passageiro, posteriormente, é o preciso instante antes da entrada, quando subimos para o nível de cruzeiro, nas nuvens e o momento em que saímos das nuvens e deparamos com aquela imensidão a perder de vista, de espaço atapetado a algodão e iluminado por um sol forte. Que delícia de cores e sensações!
Fechei os olhos um pouco, pois esta viagem, além de ser o início de uma nova fase da minha vida, é também o trazer às memórias de uma outra, efectuada em 1989, Altura em que pilotamos um Aviocar desde Tancos a S. Tomé e Príncipe, 28 horas de viagem, com imensas paragens e peripécias, e aí nos mantivemos meses a dar apoio às Populações e entidades locais. Iria sobrevoar as mesmas rotas ou parecidas, só que desta vez com a variante de ser passageiro e de estarmos mais alto cerca de 25.000 pés! Outra grande diferença reside no facto de, na altura, eu ser pago a peso de ouro para fazer algo, que se tivesse de pagar para o fazer, pagaria: VOAR!
A Passageira ao meu lado, que viria a saber chamar-se Olga, continuava com as suas rezas, fui metendo conversa para a tentar acalmar, porque de certeza, aquele tremor que se sentia no avião era provocado por ela, tal a intensidade com que tremia! De facto, a Senhora até acalmou e não fora uma afirmação minha que a fez regressar às orações e ela teria começado a gozar a viagem! Não lhe disse mais que a simples e inquestionável verdade universal do mundo da aviação, “Não tenha medo, os aviões são meios de transporte seguríssimos e uma certeza pode ter, se avariarem, cá em cima não ficam pois as oficinas são todas lá em baixo! Por isso, tenha calma!”
Estava eu envolto nestas minhas conjunturas e conspirações, quando um assistente de bordo chegou ao pé de mim “Sr. Francisco Guedes? Está tudo bem consigo? Importa-se de me acompanhar? (Desculpem se não consigo transmitir a pronúncia dele, mas fez-me sorrir, mesmo com aquele inesperado convite!).
Lá fui eu atrás dele, sem conversa, pensando com os meus botões que raio se estaria a passar!... Passamos a primeira classe (para a próxima viagem exijo, pelo menos, viajar aqui: espaço entre bancos, Hospedeiras em vez de Assistente de Bordo e outras coisas mais que não vi, mas senti! Passamos a executiva (Desta nem falo…!) e enquanto me interrogava eu que raio se estava a passar, abriu-se a porta da cabine de pilotagem e convidaram-me a entrar!
Tinha caído que nem um patinho! As praxadelas deliciosas que eu costumo originar aos meus amigos, quando sei que vão viajar de avião, fruto de ter feito parte dessa classe e do são convívio com os elementos do meu curso da FAP, hoje Comandantes da TAP e de outras companhias aéreas, tinham-no feito comigo!
Escusado dizer que fiz quase toda a viagem naquele espaço que controla aquela máquina! Não vou aqui citar nomes nem algumas das coisas que fiz ou me deixaram fazer, porque ao fazê-lo poderia estar a por em questão o profissionalismo e a segurança, se fossem mal interpretadas as minhas palavras!
Deu para ver, de um lugar privilegiado Dakar, Agadir e a sua região de estufas a perder de vista, Bamako Niamey, Ouagadougou, Lagos e tantas outras cidades que me fizeram regressar a 1989. Acreditem que me escorreu uma lágrima pelo rosto, quando perdido nessas minhas ternas, e doces recordações!
As imensas montanhas, o longo deserto, aqui e ali entrecortado por uma pequena área de verde, ou um vale mais profundo, característico de ali já ter passado algum rio, cidades ou aldeias maiores, comas casas muito próximas, tantas outras recordações e constatações!
Mas isso fica para segundas núpcias, para outro dia, porque aqui, os dias são longos, começam por volta das 5h30 e terminam tarde, e eu logo encontrarei tempo para tentar para o papel, milhentas sensações, cheiros e sabores, que tenho encontrado.
Agora sim, já leram até ao fim, corajosos, por isso já podem fazer as perguntas que desejam ou mandar os apartes que desejarem.
Fiquem bem
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
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